A trajetória das mulheres negras no mercado de trabalho brasileiro avança lentamente, ainda cercada por exclusões e resistências. Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), indicam que apenas 52% delas estão empregadas em atividades remuneradas. Entre os homens brancos, esse índice é de 75% e entre as mulheres brancas, 54%. Para Adriana Alves, autora de “Manual da Empresa Antirracista”, a escolaridade, por si só, não elimina os obstáculos que limitam o acesso, a permanência e o crescimento dessas profissionais nas empresas.
Segundo o levantamento, 52% das mulheres negras apontam o racismo estrutural como o principal obstáculo ao avanço profissional. Esse problema vai além da dificuldade em conquistar uma vaga: muitas enfrentam ambientes que restringem oportunidades de mentoria, liderança e desenvolvimento. Cerca de 34% relatam nunca ter tido acesso a orientações ou apoio de carreira capazes de acelerar sua trajetória.
Para a executiva e escritora Adriana Alves, a exclusão se tornou menos escancarada, mas não menos severa. “É um líder que te boicota, pode ser do mais silencioso e cruel, até aquele que não te avalia de uma forma sensata, coerente. Você entrega, mas ele diz que você não performa, porque você não é uma pessoa proativa, que não tem participação, que não fala”, afirma.
Salário menor e poucos espaços de poder
A desigualdade salarial é mais uma das dificuldades enfrentadas por elas. Mesmo quando empregadas, mulheres negras recebem, em média, R$ 2.864, valor 47,5% inferior ao dos homens não negros, cuja média salarial é de R$ 4.745,53, segundo o 3º Relatório de Transparência Salarial, divulgado anualmente pelo MTE (Ministério do Trabalho).
A informalidade também tem impacto significativo: mulheres negras representam 41% da força de trabalho informal no país, segundo o IBGE. A situação se agrava entre as mais jovens de 14 a 29 anos: mais de 40% estão em empregos sem direitos trabalhistas ou previdenciários. A taxa de desemprego nessa faixa etária chega a 16%, número que supera em mais de três vezes o registrado entre os jovens brancos.
Outro estudo, do Instituto Ethos, revela que, embora a presença de mulheres negras aumente nas posições iniciais das empresas, essa participação não se sustenta nos cargos de decisão. Nos programas de trainee, elas representam 53,7%, superando os homens brancos (9%). Em estágios, alcançam 26,5%, também acima da média deles (23%). No entanto, essa representatividade cai drasticamente nos altos escalões: apenas 3,4% dos cargos executivos e 1,8% dos assentos em conselhos de administração são ocupados por mulheres negras. Já os homens brancos detêm 77% dessas posições.
Cerca de 57% das mulheres negras em cargos de liderança ainda afirmaram ser a única liderança negra feminina no local de trabalho, o que evidencia um cenário de isolamento e baixa diversidade, mesmo quando elas conseguem ascender. “Eu tenho visto um movimento atual no corporativo principalmente de saída de mulheres da liderança. [São poucas] as mulheres negras que conseguiram e estão ali tentando permanecer. Quando permanecem, é difícil”, diz Adriana.
Empresas treinam, mas não contratam: o ciclo da exclusão
O diploma universitário, cada vez mais comum entre mulheres negras, ainda não garante igualdade de oportunidades. “Muitas empresas investiram milhões em iniciativas de desenvolvimento de jovens periféricos, davam cursos de Python e etc, faziam uma propaganda gigante, que ‘olha, estamos treinando por três meses esses jovens periféricos para que eles tenham ali um certificado de desenvolvedor X’. E o que eu presenciava escancarado é que depois desses três meses a própria empresa não admitia esses jovens. E aí ele estava com um papel na mão e voltava para onde ele veio”, diz Adriana, contando da sua experiência no RH.
Segundo pesquisas, 86% delas já sofreram racismo no ambiente de trabalho, e mais de 90% relataram impactos diretos na saúde mental. “Fiz uma pesquisa avaliando o recorte de diversidade de todos os grupos sub-representados dentro das empresas e o quanto isso estava ligado à saúde e bem-estar deles dentro dessas empresas. Quanto mais diversidade, mais era evidente o adoecimento dessas pessoas, o adoecimento mental, o uso de medicamentos, às vezes não prescritos, porque precisavam permanecer nesse espaço e não não sabiam com quais recursos”, relata.
As formas de discriminação relatadas vão desde comentários ofensivos sobre aparência até episódios explícitos de preconceito: 70% afirmam que seus cabelos já foram alvo de julgamentos, enquanto 63% relatam terem sido confundidas com funcionárias da limpeza, mesmo atuando em funções compatíveis com sua formação.
A exclusão, às vezes silenciosa, às vezes gritante, mostra o quanto as empresas ainda precisam tomar ações e reformular o modo como lidam com a inclusão dentro do corporativo. Para Adriana, é preciso ir além do discurso e envolver ativamente as lideranças na promoção de mudanças palpáveis:
“A gente precisa ter a alta liderança totalmente comprada com essa ideia, porque o RH fica sempre com aquela responsabilidade de fazer isso acontecer ou um comitê voluntário de diversidade que não tem nenhum tipo de responsabilidade de fazer isso para além do trabalho que já foi contratado”, acrescenta.