A escritora Ana Maria Gonçalves irá assumir oficialmente a cadeira nº 33 da ABL (Academia Brasileira de Letras) nesta sexta-feira, 7, antes ocupada pelo gramático Evanildo Bechara. Será a primeira vez, em 128 anos de existência, que uma mulher negra ocupa um assento entre os imortais, sendo uma das 13 mulheres que já passaram pela casa e a 6ª da atual composição.
A eleição aconteceu em 10 de julho, e o resultado foi quase unânime: 30 dos 31 votos possíveis. Aos 54 anos, Ana também será a imortal mais jovem da ABL. “Minha eleição representa a entrada de muitas outras pessoas que, como eu, não se viam nesse lugar”, disse a escritora, em nota publicada pela ABL. “Entrar para a Academia é um acalanto na menininha leitora que eu fui e que ouviu que, na biblioteca pública do interior de Minas Gerais, já não havia mais livros para ela ler.”
A trajetória da escritora e “Um defeito de cor”
Nascida em Ibiaí, no norte de Minas Gerais, em 1970, Ana é formada em publicidade, profissão que deixou após 15 anos para se dedicar à escrita e, desde então, tem usado as palavras como instrumento de reconstrução da memória brasileira. Em 2006, publicou o romance “Um defeito de cor”, obra monumental de 951 páginas que levou cinco anos para ser escrita e se tornou um divisor de águas na literatura nacional.
O livro acompanha Kehinde, mulher africana que sobrevive à travessia do Atlântico e à escravidão no Brasil, em uma jornada para reencontrar o filho. A narrativa é inspirada na vida de Luísa Mahin, mãe do poeta e abolicionista Luiz Gama, e venceu o Prêmio Casa de las Américas, em 2007, um dos mais importantes da América Latina.
Desde então, a história de Kehinde ultrapassou as páginas: virou tema de samba-enredo da Portela, em 2024, e inspiração de uma grande exposição itinerante, que percorreu o MUNCAB (Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira), o MAR (Museu de Arte do Rio) e o Sesc Pinheiros, em São Paulo, reunindo artistas negros das Américas e da África.
A escritora viveu oito anos nos Estados Unidos, onde foi residente nas universidades de Tulane (2007), Stanford (2008) e Middlebury College (2009). Em março de 2025, recebeu a Medalha Tiradentes, maior honraria da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), por sua contribuição à cultura e à valorização da história negra.
Como será sua posse na ABL
Para a cerimônia, Ana Maria Gonçalves usará um fardão histórico, o primeiro confeccionado por uma escola de samba. Criado no ateliê da Portela, no barracão da Cidade do Samba, o traje foi idealizado pelo carnavalesco André Rodrigues em parceria com João Vitor Ferreira, Rayane Costa e Anthony Albuquerque.

Ana Maria Gonçalves posa com o vestido feito na Portela com o qual a escritora tomará posse na ABL. (Foto: Reprodução/Gil Lira)
A peça, que homenageia a ancestralidade negra e a trajetória literária da escritora, foi inspirada no vestido usado por Rachel de Queiroz em sua posse, em 1977, e reúne bordados e símbolos que dialogam com seu livro, Um defeito de cor, e com a cultura afro-brasileira.
Aos 54 anos, Ana será recebida por Lilia Schwarcz e ganhará o colar das mãos de Ana Maria Machado, em cerimônia no Petit Trianon, no Rio de Janeiro. O diploma será entregue por Gilberto Gil, e o jantar de comemoração terá cardápio inspirado na culinária africana.
O evento contará com a participação de Rosiska Darcy de Oliveira, Fernanda Montenegro, Miriam Leitão, Domício Proença Filho, Geraldo Carneiro, Eduardo Giannetti, entre outros acadêmicos.