Entre confetes e serpentinas, risos e batuques, entre o brilho dos foliões e o calor das multidões, há uma mulher que se vê dividida entre dois sentimentos opostos ao longo do Carnaval. Como se estivesse diante de uma encruzilhada emocional. Uma sensação de “Quem me dera, Deus me livre” a todo o momento.
Enquanto alguns amigos contam os dias para os desfiles das escolas de samba e os blocos de rua, eu me pego questionando se devo me juntar à multidão ou buscar um refúgio em algum lugar bem longe daqui.
Acordar às seis horas da manhã para ir ao bloco, chegar em casa exausta, aproveitar o resquício de juventude, passar o ano todo convivendo com a purpurina que por um instante alguém achou interessante despejar na multidão, cantarolar uma marchinha involuntária ao pedir um pão na chapa, dizer “não é não” ao menos 150 vezes em um só dia e, depois de estar cansada de dizer “não é não”, fazer uma camiseta com essas palavras e chegar a comprar um spray de pimenta. Subir e descer ladeiras em fila indiana e se estiver com sorte não ter o celular roubado, ficar de ressaca e prometer que nunca mais vai fazer isso para depois de tudo ter que voltar a trabalhar lamentando que o Carnaval acabou.
A minha própria dualidade parece conviver em modo recíproca com aquilo que o Carnaval representa. Mas, tirando a alegoria, é a pausa que me deixa intrigada.
Como se nela pudéssemos abrir uma fresta, onde o amanhã é um mero fluxo a ser vivido e a vida reflete o profético samba enredo:
“Como será o amanhã?
Responda quem puder…
O que irá me acontecer?
O meu destino será como Deus quiser”
Corpos suados, pouca roupa, a obrigação de ser feliz e a pausa onde muitos se permitem ser o que querem ser, e vestir a fantasia que sempre desejaram usar.
Uma parte de mim diz que é lindo viver a utopia da alegria a todo custo – e a outra acha meio doentia a pandemia carnavalesca que hoje praticamente ocupa por inteiro esses primeiros meses e faz parecer que o ano só começa definitivamente em março.
É pré, é durante, é pós, é a ressaca dos blocos do Carnaval, é o desfile das Campeãs, a reprise dos desfile das Campeãs, o espetáculo que nunca termina.
E o que vem depois da euforia?
O que resta da liberdade vivida?
Novamente: Quem me dera, Deus me livre… Mas nós vamos obrigatoriamente passar por tudo isso. Vamos testemunhar a liberdade ou vivê-la. Eu definitivamente amo o Carnaval! Essa festa tão excitante que tantas vezes considero que é uma necessária efervescência coletiva.
Veja Também
Respire e Diga Sim #26: “Todo recomeço nasce de um incômodo”, Marcela Scheid
Respire e Diga Sim #25: o artista na linha tênue entre o amor e o ódio, com Clarisse Abujamra
Respire e Diga Sim #24: o direito à própria travessia, com Eliana Alves Cruz
Respire e Diga Sim #23: “O direito é branco, a sentença é preta.” Equidade racial, com Priscila Gama
Respire e Diga Sim #22: sobre ocupar o próprio corpo e ser dona de mim, com Patrícia Parenza.