Cerca de 4,6 milhões de casos de dengue foram registrados só esse ano, em países da América Latina e do Caribe. O número se refere às primeiras 15 semanas do ano, incluindo os primeiros dias de abril, representando um crescimento de 237% em comparação ao mesmo período do ano passado. A informação é da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

O grande aumento é causado pelos números da epidemia no Brasil. O país supera 3,1 milhões de casos prováveis em 2024, ou 67,4% dos registros na América Latina e Caribe. Em números absolutos, o Brasil é primeiro no ranking. Os países que ficam imediatamente atrás do Brasil, Paraguai, Argentina e Peru, não passam de 200 mil casos cada.

Arboviroses são doenças causadas por vírus transmitidos, principalmente, por mosquitos como o Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya.

Epidemiologistas afirmam que um dos motivos que justificam esse destaque do Brasil é o fato de ser o país de maior população. No entanto, quando se observa a incidência de dengue, ou seja, a proporção de casos em relação à população, o país figura na segunda posição, atrás do Paraguai. Ninguém está imune à dengue. Mas esse avanço frenético, além de reforçar o elo entre a doença e as mudanças climáticas, escancara o racismo ambiental.

O conceito de racismo ambiental foi desenvolvido por ativistas e acadêmicos nos Estados Unidos durante as décadas de 1970 e 1980. Alguns dos primeiros a discutirem e destacarem essa questão incluem figuras como Benjamin Chavis, Robert Bullard e Beverly Wright. Eles observaram como certas comunidades negras e latinas estavam sendo desproporcionalmente afetadas por questões ambientais e de saúde, levando à formulação do conceito de racismo ambiental.

Passamos a usar o termo quando nos referimos a certos grupos étnicos ou comunidades minoritárias que enfrentam uma desproporcionalidade na exposição à poluição, degradação ambiental, doenças e outros impactos negativos do meio ambiente e saúde, devido às políticas discriminatórias ou negligência sistemática. É uma forma de injustiça ambiental que reflete desigualdades sociais e raciais.

É verdade que as comunidades marginalizadas muitas vezes enfrentam maior risco de contrair doenças transmitidas por mosquitos, como dengue e chikungunya, em função da falta de infraestrutura básica e acesso limitado aos cuidados de saúde. Isso destaca a importância de políticas públicas que abordem essas disparidades e melhorem as condições de vida nessas áreas.

Segundo a Fiocruz, a proliferação do mosquito encontra terreno fértil em regiões urbanas com poucos recursos. Os problemas como a ausência de saneamento básico, falta de rede de esgoto e de acesso à água potável e instalação de aterros sanitários são agravantes para o combate ao mosquito.

A segregação urbana intensifica a vulnerabilidade das populações carentes à dengue. A falta de infraestrutura básica, como água encanada regular e coleta de lixo, combinada com o adensamento populacional, cria condições ideais para a proliferação do mosquito Aedes aegypti. A precariedade das condições de saneamento básico estimula as pessoas a acumular mais água em recipientes inapropriados, favorecendo a proliferação da doença.

O médico infectologista José Davi Urbaez  afirma que as condições sociais são causas do avanço da dengue, detalha a Agência Brasil, em matéria reproduzida por IstoÉIstoÉ Dinheiro e Correio da Bahia. “É claríssimo que, no caso da dengue e, habitualmente, todas as doenças infecciosas, são grandes marcadores dessa vulnerabilidade, porque ela é construída”, avalia.

É o caso da faxineira Maria José (nome fictício), 40 anos, que teve sua filha Clarice (nome fictício), de 3 anos, contaminada pela dengue. Elas residem numa casa na Cidade Ademar, periferia de São Paulo, “cercada de mato, lixo, água parada e falta de estrutura”, contou ela, que também teve a doença em fevereiro. “O que mais me deu desespero foi a possibilidade de a dengue ficar mais grave. A gente é pobre e tem muito medo”, disse Maria José, que se preocupa com a possibilidade de todos em sua casa adoecerem ao mesmo tempo. E ela tem razão para isso, uma vez que parentes e amigos próximos contraíram a dengue e faleceram nos últimos meses.

O avanço da doença nas grandes cidades aciona o alerta vermelho da saúde pública. Observa-se o efeito das mudanças climáticas na proliferação da doença. O aumento das temperaturas e das chuvas pode ampliar o período sazonal da dengue, que habitualmente seria até abril, e agora pode avançar até junho. Neste mês, segundo os infectologistas, o número de casos cai de forma drástica.

Ressalta-se que a dengue, cujo avanço vem sendo agravado pelas mudanças climáticas, afeta todas as classes sociais, mas as suas consequências são piores para as comunidades historicamente marginalizadas. Assim sendo, além de provocar consequências danosas na saúde pública, esta doença pode reduzir o PIB brasileiro em mais de R$ 12 bilhões, como mostra um estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG).
Segundo o levantamento, o Brasil corre o risco de uma queda de até R$ 7 bilhões no PIB devido à redução da produtividade causada pelos efeitos da doença, já que seis a cada 10 infectados são trabalhadores. Além disso, os custos relacionados ao tratamento podem atingir R$ 5,2 bilhões. O impacto econômico pode resultar na perda de mais de 129 mil postos de trabalho, comprometendo a geração de cerca de R$ 2,1 bilhões em massa salarial, como já informou a IstoÉ Dinheiro.

Referências
Link disponível: https://climainfo.org.br/ reportagem é publicada em 05-03-2024.Acesso em: 14/04/24.

Link disponível: https://www.topnews.com.br/noticia/65883/brasil-concentra-quase-70-dos-casos-de-dengue-da-america-latina. Acesso em: 1/04/24

Link disponível: https://jornal.usp.br/atualidades/racismo-ambiental-e-uma-realidade-que-atinge-populacoes-vulnerabilizadas/ Acesso em: 21/04/24

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.