Renda, consumo e sobrecarga: como a inflação afeta mais as mulheres

Salários menores, produtos mais caros e acúmulo de tarefas domésticas tornam as mulheres mais vulneráveis à alta dos preços, segundo dados de instituições como IBGE, FGV e IPEA

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Alta da inflação atinge com mais força quem tem menor renda e lida com o orçamento da casa, realidade comum entre as mulheres brasileiras, mostram dados oficiais Foto: Pexels

A inflação atinge o bolso de todos, mas seu impacto não é igual para toda a população. Dados de diferentes instituições mostram que as mulheres, especialmente as de baixa renda e as negras, são proporcionalmente mais afetadas pela alta dos preços, tanto por ganharem menos quanto por estarem mais expostas às despesas domésticas e aos bens de consumo mais inflacionados.

Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres no Brasil ganham, em média, 78,2% do rendimento dos homens. A disparidade é ainda maior entre as mulheres negras, que recebem cerca de 61% do que ganham os homens brancos, de acordo com análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).

Esse menor poder aquisitivo torna as mulheres mais vulneráveis ao aumento do custo de vida. Em momentos de inflação elevada, a renda delas é rapidamente corroída. Um estudo do IPEA mostra que, mesmo quando há reajustes salariais, esses aumentos são insuficientes para acompanhar o avanço dos preços. Ou seja, o rendimento real das famílias chefiadas por mulheres sofre mais perdas.

Além da desigualdade de renda, há uma diferença marcante na forma como o tempo é distribuído entre homens e mulheres. De acordo com o IBGE, elas dedicam em média 10 horas a mais por semana ao trabalho doméstico e de cuidado não remunerado — como cozinhar, limpar, cuidar dos filhos ou de familiares idosos. Esse tempo reduz a disponibilidade para atividades remuneradas e para a qualificação profissional, o que impacta diretamente sua renda ao longo da vida.

Esse cenário se agrava quando se observa quem lida com o orçamento da casa. Pesquisas indicam que as mulheres ainda são, na maioria dos lares, as principais responsáveis pelas compras domésticas. Isso significa que são elas que percebem primeiro o aumento de preços de itens essenciais, como arroz, feijão, óleo de cozinha, fraldas e produtos de higiene. Em 2024, por exemplo, o grupo de alimentos e bebidas foi um dos principais responsáveis pela inflação medida pelo IPCA.

Mercado cor-de-rosa

Outro fator importante é a diferença de preço entre produtos voltados para homens e mulheres, fenômeno conhecido como pink tax. Estudos internacionais, como o levantamento do New York City Department of Consumer Affairs, mostram que itens femininos custam, em média, 7% a mais do que os masculinos equivalentes. Roupas, produtos de higiene e brinquedos infantis voltados ao público feminino estão entre os que mais apresentam essa diferença. Ainda que nem sempre seja percebido de forma explícita, esse fenômeno contribui para a sobrecarga financeira feminina.

Por fim, especialistas alertam que as próprias decisões de política monetária — como o aumento da taxa básica de juros (Selic) — também têm impacto desigual. Um estudo da economista Lena Lavinas, professora da UFRJ, aponta que o encarecimento do crédito e a retração do emprego atingem mais fortemente mulheres e negros, que ocupam posições mais instáveis no mercado de trabalho e têm menor acesso a ativos financeiros.

A combinação de salários mais baixos, sobrecarga doméstica, responsabilidade pelo consumo e produtos mais caros cria um ciclo difícil de romper para milhões de brasileiras. A inflação, nesses casos, não é apenas um indicador macroeconômico: ela se manifesta no prato de comida, no transporte até o trabalho, no custo de uma fralda ou de um absorvente. E seu impacto, ainda que silencioso, perpetua desigualdades estruturais de gênero.