O futuro do cinema brasileiro foi tema de uma audiência pública na Câmara dos Deputados que reuniu parlamentares, lideranças do setor e representantes da sociedade civil na quarta-feira (3), em Brasília. Promovido pela Comissão de Cultura em parceria com a Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), o encontro colocou em pauta a baixa representatividade negra no setor, principalmente de mulheres, e a ampliação de medidas de reparação histórica. Com informações da Agência Brasil.
Os números revelam a dimensão do problema. Em 2016, a Ancine mostrou que apenas 2% dos diretores de filmes lançados comercialmente eram negros. Entre roteiristas, o índice era de 4%. Já em mais de um século de cinema nacional, menos de 1% das produções tiveram protagonismo negro, segundo levantamento do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Para Tatiana Carvalho Costa, presidente da Apan, este é um momento decisivo. “As discussões em Brasília ocorrem em um cenário que consideramos um ponto de inflexão: de um lado, há conquistas recentes em políticas públicas e, de outro, o desafio de consolidar a reparação histórica e o fortalecimento de uma indústria que reflita, de fato, a pluralidade e a potência da população negra, maioria no país’’, afirmou à Agência Brasil. Durante a audiência foram destacados avanços recentes, como normas vinculadas à Lei Paulo Gustavo e ao Programa Nacional de Apoio ao Audiovisual Brasileiro, que estabelecem ações afirmativas em nível federal. Mas, segundo a Apan, a execução dessas medidas ainda enfrenta entraves nos estados e municípios, com casos de fraudes em editais e até episódios de violência contra profissionais negros.
A pesquisadora Natália Carneiro, do Geledés/ Instituto da Mulher Negra, também participou da audiência e lembrou que o cinema sempre funcionou como “máquina de fabricar imaginários”, mas historicamente excluiu pessoas negras de papéis centrais. Segundo levantamento inédito, em 2022, homens brancos receberam cerca de 30 vezes mais recursos públicos do que mulheres negras.
Dos 142 longas-metragens lançados até 2019, apenas um havia sido dirigido individualmente por uma mulher negra — Amor Maldito (1984), de Adélia Sampaio —, segundo dados do Gemaa. O segundo só veio décadas depois, com Um Dia Com Jerusa (2020), de Viviane Ferreira.
Presente na audiência, Viviane apresentou o estudo “Empresas audiovisuais vocacionadas para reparação histórica” e reforçou que não basta produzir filmes isolados, mas que há a necessidade de estruturar companhias lideradas por profissionais negros no setor. “Não adianta só fazer filmes, tem que aprender a captar recursos. Então, sem fortalecimento de nossas empresas, não estamos em um lugar de tranquilidade fazendo filmes “, afirmou.
Entre as propostas debatidas, a Apan também reforçou a importância de ampliar o apoio às Empresas Audiovisuais Vocacionadas para a Reparação Histórica — companhias lideradas majoritariamente por pessoas negras e indígenas — como caminho estratégico para transformar o mercado e garantir maior pluralidade.