A escrita nunca foi uma ocupação para mim, uma tarefa, algo que eu pudesse desenvolver como uma habilidade. A minha escrita é quem sou. E por muito tempo o fato da escrita e eu estarmos tão intimamente ligadas me fez acreditar que escrever como ofício, além de ser pulsão, não era uma possibilidade.

Já adulta descobri diversas autoras negras que me ensinaram muito sobre o mundo e sobre mim mesma, através de sua escrita, que constrói um lugar de existência para este sujeito coletivo que somos nós, mulheres negras. Uma das mais importantes dessas referências é a escritora estadunidense Maya Angelou.

Maya viveu violências que marcaram profundamente sua vida, assim como eu, e a literatura foi sua salvação. Aos oito anos de idade foi abusada sexualmente e a partir do trauma desenvolveu uma espécie de mutismo, que só acabou anos mais tarde, através do contato com a literatura. Na poesia “Ainda assim eu me levanto”, Angelou fala de sua humanidade e luta enquanto mulher negra, que derrota com sua excelência a humilhação, a morte, o racismo e o desprezo de um mundo que nos trata como escória, nos reservando um lugar social que protagoniza os piores índices de desenvolvimento humano.

A escrita de Angelou é mesmo um grande levante insurgente, que ousa dançar, encenar, recitar e produzir possibilidades de existência que ainda hoje nos são vetadas. Sua biografia também é uma aula de como exercer plenamente sua liberdade de ser, já que a escritora na juventude também trabalhou como prostituta, condutora de bondes e mais tarde tornou-se atriz, bailarina, cantora e jornalista. Também é reconhecidamente uma das maiores ativistas pelos direitos da população negra, tendo mantido sua atuação próxima de figuras como Martin Luther King, Malcolm X, Nelson Mandela e James Baldwin.

O maior aprendizado que tive com ela foi usar minha voz como instrumento de cura para minhas dores e não permitir que as violências que me atravessaram me definissem. Angelou me ensinou a tirar minhas dores para dançar nos versos de poesia, no ritmo da prosa. Assim como ela, já fui garçonete, vendedora, auxiliar de creche, animadora de festas, atriz e hoje trabalho como pesquisadora, comunicadora e assessora parlamentar. Se o céu não era um limite para Maya, meus horizontes graças a ela foram ampliados.

Tem um ditado de terreiro que diz “só se levanta para ensinar, quem se sentou para aprender”. Falar sobre as verdades que aprendi, os valores que pratico e a ética que me orienta é a base de tudo que escrevo e do que pretendo apresentar neste espaço. Compartilhar minha verdade me conecta com o humano que existe em todas nós.

Conhecer a trajetória e a perspicácia de Maya Angelou me libertou das correntes que me atavam ao peso dos traumas. Escrever libertou a menina de 12 anos que fui, abusada sexualmente, que recorreu à leitura para escapar da tristeza. “Somos mais parecidos do que somos diferentes”, Angelou dizia. Um aprendizado precioso em tempos que as diferenças nos fazem acreditar que não temos mais humanidade para compartilhar.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.