O Brasil nunca teve tantas mulheres investindo em startups e, ao mesmo tempo, nunca precisou tanto delas nesse papel. Apesar de representarem apenas 18,5% dos investidores-anjo no país, segundo pesquisa do Sebrae Startups e da Anjos do Brasil, essas mulheres estão promovendo transformações profundas em um ecossistema historicamente masculino e muitas vezes avesso à diversidade.
É nesse contexto que surge a Sororitê, a maior rede de mulheres investidoras-anjo da América Latina. Fundada por Erica Fridman e Jaana Goeggel em 2021, a iniciativa nasceu de uma inquietação: por que tantas empreendedoras não conseguiam acesso a capital? “No começo era a dúvida, será que tem startups suficientes lideradas por mulheres para fazer os investimentos? Mas percebemos depois que focamos em mulheres, que sim, tem muitas mulheres, só que ninguém presta atenção nelas.”, conta Jaana.
A lacuna de gênero
A discrepância nos investimentos é gritante. Pesquisas da Distrito apontam que startups com fundadoras recebem dez vezes menos aporte do que aquelas lideradas apenas por homens. Ainda assim, estudos do Boston Consulting Group revelam que empresas criadas por mulheres conseguem, em média, 10% a mais de receita em cinco anos.
É essa contradição que a Sororitê busca corrigir. Em 2024, a rede lançou o Sororitê Fund 1, um fundo de R$25 milhões dedicado a negócios em estágio inicial fundados ou cofundados por mulheres, com foco em setores estratégicos como fintech, healthtech, agritech e retailtech.
“O que que o cotista quer? Ele quer retorno, ele está colocando uma moedinha, ele quer muito mais moedinhas de volta. Então, não adianta você vir com uma tese de impacto de fazer o bem e tal. Temos que trazer o retorno e realmente acreditamos nisso. E assim é o jeito de provar. Então quando vierem os números, não tem nem argumentação”, diz Erica.
Mais do que capital: uma rede de apoio
O capital é o motor, mas o combustível vem da coletividade: encontros de networking, rodadas de pitch e mentorias. Em um país em que apenas 2% desse valor chega a startups fundadas por mulheres, segundo pesquisa da Anbima, a Sororitê afirma que o capital pode (e deve) ser instrumento de transformação social.
A rede atua como investidora, mas também como espaço de acolhimento e fortalecimento desses empreendimentos. Já foram avaliadas mais de 400 startups e investimentos foram feitos em dezenas delas, sempre acompanhados de apoio por parte das criadoras e de suas conexões.
O impacto não é apenas financeiro. Muitas empreendedoras relatam que, ao participar dos encontros, foi a primeira vez que se sentiram escutadas em um ambiente de negócios. “A nossa proposta é ser um outro tipo de interlocução, que ela possa vir conversar com duas mulheres. Inúmeras vezes acontece de a gente ouvir a fundadora dizendo: ‘Nossa, a primeira vez que eu sento na mesa com uma mulher investidora, não tinha acontecido ainda comigo’“, conta Erica.
A dificuldade em acessar esses espaços
O acesso ao crédito ainda é um desafio real para muitas empreendedoras. Uma pesquisa da Serasa com a Opinion Box mostra que 68% das mulheres tiveram pedidos de financiamento negados e 35% veem a falta de recursos como o maior obstáculo para tocar seus negócios.
Segundo Erica, parte dessa dificuldade vem da falta de diversidade nos comitês de decisão: “Se você tem cabeças que são muito parecidas, elas sempre vão achar os mesmos riscos e os mesmos potenciais. Então, a partir do momento que você põe um olhar de uma mulher acessando ou alguém com outro tipo de background talvez a gente vai achar um potencial que uma outra sala, um outro comitê que não tivesse essa diversidade não iria encontrar”, diz.
Outro obstáculo frequente está fora dos números, mas se apresenta na falta de contatos e de conhecimento dessas empresas. Muitas mulheres fundadoras não sabem sequer por onde começar a buscar capital. O ecossistema de inovação ainda opera em círculos fechados, dominados por homens, o que cria uma barreira invisível de acesso.
“Uma das principais dificuldades apontadas pelas empreendedoras é a falta de networking. Então, em primeiro lugar, elas não sabem nem como acessar esses fundos. Elas não sabem com quem conversar. É, então a gente acaba sendo sim uma porta de entrada para elas,”, resume Erica.