Quando Tetê Baggio concluiu o curso de Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1993, as mulheres eram raridade na área: sua turma tinha apenas duas. Ela iniciou a carreira em um setor predominantemente masculino, sendo marcada por desafios, pausas, recomeços até que de uma experiência pessoal decidiu criar uma plataforma de apoio a profissionais que desejam se recolocar no mercado depois de um período de afastamento, a Be Back Now.
Após a graduação, Tetê atuou como engenheira por cinco anos, casou-se, teve filhos e, durante o segundo nascimento, viveu o que chama de “a pausa que ninguém esperava”. “Eu trabalhava como todo mundo, pensava que ia voltar em quatro meses, só que a gente teve uma questão de saúde que me afastou por muito mais tempo do que eu imaginei. E em cada pausa a gente aprende coisas diferentes, naquele momento, eu aprendi o que que era prioritário”, relembra.
Ao tentar voltar depois de seis anos afastada, Tetê percebeu o abismo entre o desejo de retomar e as portas fechadas do mercado. “Você tem que provar novamente seu valor”, explica.
Foi nessa fase que se reinventou profissionalmente. Encontrou espaço na sustentabilidade, um tema ainda pouco difundido nos anos 2000, e ingressou no Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, onde participou da estruturação da Rede Brasileira de Produção Mais Limpa, iniciativa ligada à ONU. “Era um movimento novo, onde eu não tinha desvantagem competitiva. Todo mundo estava aprendendo”, conta.
Da experiência à criação do projeto
Anos depois, uma nova mudança: ela foi morar com a família na Europa e decidiu pausar novamente a carreira pela dificuldade na realocação do trabalho remoto. “Tive que aprender a me expor para o mundo de forma globalizada. Tentei trabalhar via Skype, mas se hoje nós estamos acostumados, há 24 anos tinha muitas limitações”.
O retorno para o Brasil, em 2009, exigiu mais uma reconstrução e ela precisou entender como trazer tudo o que aprendeu nesse tempo fora do mercado de uma forma atrativa em seu currículo. O que encontrou grande dificuldade: ”Às vezes a empresa tem um boom de talentos, mas eles não passam nos critérios normais automáticos, porque se você tem um gap no seu currículo, você fica desfavorecido”.
Tetê encontrou espaço e passou a atuar com resolução de conflitos e mediação, decorrência natural de seu trabalho em sustentabilidade, que envolvia gestão de crises socioambientais. Em meio a nova fase, enfrentou outro desafio: um câncer agressivo e com metástase, o que fez com que tivesse que pausar a carreira pela terceira vez. “Em cada momento desse, o aprendizado é diferente. Resiliência, capacidade de se reinventar, e o que fazer com isso tudo”, conta.
Das sucessivas pausas, nasceu o desejo de transformar sua vivência em um projeto. Assim nasceu a Be Back Now, uma plataforma criada há cerca de dois anos para apoiar profissionais que ficaram fora do mercado e sensibilizar empresas sobre o valor dessas experiências.
“A ideia é educar e trazer valor para as pessoas que passam por esse processo de reconstrução da autoestima, e para as empresas entenderem que isso é um fato, cada vez mais frequente”, explica.
Normalização das pausas
Com base em dados da Be Back Now e da NOZ Inteligência, em 2025, 64% dos profissionais já interromperam suas carreiras por mais de 12 meses, número um pouco maior entre as mulheres (65,9%). Os principais motivos são maternidade (24%), desemprego (21,7%), saúde mental (10,9%) e tentativa de empreendedorismo (7%). Dentre os entrevistados que nunca fizeram uma pausa, 62% afirmam que estão se planejando ou já pensaram na possibilidade.
Hoje, a Be Back Now conta com cerca de 600 profissionais cadastrados e 50 empresas sensibilizadas. “Sensibilizada significa que a empresa está positiva com a ideia e começou um programa de retorno”, explica.
Segundo ela, o foco está na mobilização e na educação. “Quando a gente quer quebrar um padrão, temos que começar pela educação. Para quem está fora do mercado, a gente diz que a pessoa não está sozinha. E para as empresas, mostramos que existe um banco de talentos invisível que elas não estão vendo”.
Com base na própria experiência, Tetê acredita que existem obstáculos nos dois lados da mesa. “É legítimo que a empresa ache que a pessoa não está preparada, mas também é legítimo o medo de quem volta”, observa.
Hoje, o projeto é sustentado com investimento próprio. Para o futuro, o objetivo é conseguir empresas parceiras, ampliar o alcance e desenvolver um aplicativo que atinja profissionais em regiões mais afastadas e até na América Latina. “A ideia não é fazer da Be Back Now uma empresa poderosa, mas um movimento que chegue a mais pessoas”.