A situação do tráfico de pessoas no Brasil em 2024 é alarmante, com a média de um caso registrado por dia. Entre 1° de janeiro e 7 de abril, o Ministério dos Direitos Humanos catalogou 98 violações relacionadas ao tráfico humano, conforme denúncias recebidas pelo Disque 100.

Comparativamente, em 2023, foram registrados 336 casos ao longo do ano. No Distrito Federal, especificamente, houve 3 casos notificados durante esse período.

A situação é ainda mais preocupante quando se consideram as vítimas e os locais das violações. A maioria das violações teve como vítimas crianças e adolescentes:

  • 2023: 232 violações, com vítimas sendo crianças e adolescentes de 0 a 17 anos (69%).
  • 2024: 85 violações, com vítimas sendo crianças e adolescentes de 0 a 16 anos (86,7%).

Além disso, o local mais perigoso para essas vítimas é exatamente onde elas moram. Em ambos os anos, o cenário das violações foi majoritariamente a casa da vítima ou a casa onde a vítima e o suspeito moram.

O tráfico de pessoas é uma prática que viola a dignidade humana, explorando as vítimas e colocando-as em condições degradantes de vida e trabalho. As vítimas sofrem diversas formas de violência, têm sua liberdade cerceada e são tratadas como mercadorias, segundo a Lei 13.344/2016.

Segundo o relatório lançado no dia 30 de julho – Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, a internet tornou-se uma ferramenta poderosa para a operacionalização do tráfico, interno e internacional, de pessoas:

“Como seria esperado, aqueles envolvidos no tráfico de pessoas igualmente passaram a se valer de toda a potência da internet em várias etapas do tráfico, que inclui desde o recrutamento, a movimentação, o controle, a “divulgação” de serviços (como os resultantes da exploração sexual) 49, até mesmo, a exploração das vítimas. A tecnologia apresenta inúmeros benefícios de que os perpetradores usufruem: a comunicação instantânea e segura entre os membros de uma organização, com a redução do risco de ser identificado e processado por autoridades policiais; o controle remoto das vítimas usando aplicativos de localização por GPS; e todo o processo de transação econômica e lavagem de dinheiro que também é facilitado, por exemplo, com o uso de criptomoedas.”

A atuação dos aliciadores(as) no ambiente virtual ampliou a margem de lucro dos traficantes, visto que viabiliza uma atuação de forma eficiente e ágil em escala global, com uma significativa capilaridade ao entrar em contato com um maior número de vítimas simultaneamente. Além da abrangência no alcance das vítimas, o uso da tecnologia reduz o custo do empreendimento criminoso e abre a possibilidade de entrega de “novos serviços, diz o relatório.

O ambiente da dark web, ao manter o anonimato de seus usuários, está sendo mais utilizado por exemplo, nos casos de tráfico para remoção de órgãos

O documento diz ainda que o uso de aplicativos também é utilizado para aliciar pessoas, principalmente as que se encontram em contextos de vulnerabilidade socioeconômica, com promessas laborais enganosas. Por meio do Facebook e Whatsapp, é possível alcançar trabalhadores/as em áreas remotas em um curto período.

Em relação ao controle das vítimas que, tradicionalmente era exercido por meio de violência física, restrição da mobilidade e monitoramento presencial, agora pode ser feito por meio de GPS, que indica a localização e movimentos da vítima em tempo real; bem como por meio de registros de atos sexuais ou outros aspectos da intimidade do indivíduo, que servem de instrumento de coerção, o que evita a fuga e busca por autoridades locais.

Pelo atual cenário, em que cada vez mais se fala em inteligência artificial, pode-se afirmar que o uso da tecnologia é um caminho sem volta. Isso não deve ser percebido como algo negativo. Mas o poder público deve se apropriar dessa ferramenta na mesma velocidade que o crime organizado se apropria para comercializar vidas humanas.

Essa complexa dinâmica do tráfico de pessoas no Brasil requer uma abordagem multifacetada para combater o problema e proteger as vítimas.

Segundo o Ministério da Justiça, os elementos que levam alguém a cair na rede do tráfico de pessoas são múltiplos e abrangentes, podendo ser causados por:

  • Desigualdades sociais, econômicas e culturais
  • Falta de acesso à saúde, à educação e à moradia
  • Ausência de perspectivas de trabalho no local de origem
  • Inexistência de condições que garantam renda suficiente
  • Discriminações de gênero, raça e classe
  • Busca por ascensão social

Estas condições criam um ambiente propício para que indivíduos se tornem vulneráveis ao tráfico de pessoas, destacando a necessidade de abordagens abrangentes e integradas para combater essa prática e proteger as vítimas.

Das violações recebidas por meio do Disque 100, em 2023, 48,56% das violações que ocorreram no Brasil relacionadas ao tráfico de pessoas tiveram como vítimas mulheres. Em 2024, foram 30,26% dos casos registrados.
Dentro do Brasil, segundo o Ministério da Justiça, as vítimas são exploradas principalmente de duas formas:

  • Exploração sexual
  • Trabalho escravo

Disque 180
Um outro canal que recebe denúncias sobre violação dos direitos das mulheres – incluindo o tráfico de pessoas – é o Disque 180, do Ministério das Mulheres. Em 2024, a pasta recebeu 7 denúncias que falaram sobre 13 violações. Uma denúncia pode contar o registro de mais de uma violação.

A maioria das mulheres vítimas é negra – 2 pardas e 1 preta – e março foi o mês com o maior número de denúncias: 3 reclamações recebidas.
Em comparação, o ano de 2023 contou com um total de 68 denúncias e 73 violações.

Dicas de prevenção
De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, as melhores medidas de prevenção envolvem sempre a busca por informações e desconfiança de propostas vantajosas demais ou de ofertas pouco reais. O MJSP recomenda:

  • Pesquisar sobre qualquer oferta que recebeu
  • Buscar referências com pessoas que passaram por situação semelhante
  • Procurar se certificar sobre as condições de trabalho oferecidas e se as empresas são regulares
  • Conversar sempre com seus familiares
  • Entrar em contato com as autoridades caso desconfiem de qualquer proposta, abordagem ou diálogos suspeitos
  • Não acreditar em promessas de pessoas desconhecidas com possibilidades de melhores condições de vida e trabalho em outras regiões do país ou no exterior
  • Não aceitar convites (feitos pessoalmente ou pela internet) de pessoas desconhecidas para viajar para outras cidades, estados ou países
  • Sempre checar atentamente as informações sobre contratos, propostas, promessas e convites recebidos, seja para trabalho, estudo ou relacionamentos virtuais, e buscar auxílio jurídico especializado
  • Evitar fornecer documentação de identificação ou cópias para pessoas desconhecidas
  • Informar-se sobre contatos de instituições ou ONG’s e autoridades da região
  • Mesmo pesquisando e se informando bastante antes de aceitar qualquer oportunidade de viagem, certifique-se de deixar uma pessoa de sua confiança ciente para situações de perigo e ameaça, bem como registrar todas as informações de destino e hospedagem.

Como denunciar?
Denúncias contra o tráfico de pessoas podem ser feitas por meio dos seguintes canais:

  • Disque Direitos Humanos: Ligue 100 ou mande e-mail para disquedenuncia@sedh.gov.br
  • Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180
  • Sistema Ipê do Ministério do Trabalho e Previdência
  • Polícia Militar: Ligue 190
  • Polícia Rodoviária Federal: Ligue 191
  • Polícia Federal: Ligue 194 ou pelo e-mail sad.dicor@pf.gov.br
  • Polícia Civil: Ligue 197
  • Ministério Público do Trabalho: Pelo e-mail (pgt.conaet@mpt.mp.br) ou pelo telefone (61) 3314-8538
  • Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM): Pelo telefone (61) 3368-8982 ou e-mail (ppcaamdf.gajop@gmail.com)
  • Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita): Pelo telefone (61) 2027-3152 ou e-mail (testemunha@mdh.gov.br)
  • Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus-DF): pelos telefones (61) 2104 4292 / 61 2244-1232 ou pelo e-mail: getpam@sejus.df.gov.br
  • Defensoria Pública do Distrito Federal – Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos:
    Disque 129
    Telefones: (61) 2196-4480 e (61) 99359-0080
    WhatsApp: (61) 99359-0080
    E-mail(s): najdireitoshumanos@defensoria.df.gov.br ou direitoshumanos.dpdf@gmail.com
  • Defensoria Pública da União (DPU):
    Telefone: (61) 9 8258-0136
    Email: dpu.df@dpu.def.b
    Se estiver no exterior:
  • Espanha: 900 990 055 (opção 1) Informe: 61-3799-0180
  • Portugal: 800 800 550 (opção 1) Informe: 61-3799-0180
  • Itália: 800 172 211 (opção 1) Informe: 61-3799-0180
    Divisão de Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores
    Em caso de tráfico internacional, qualquer vítima pode procurar os serviços consulares nas embaixadas brasileiras nos países onde se encontram, ou no Consulado Geral, para obter assistência. Para acessar os endereços dos Consulados e Embaixadas do Brasil no exterior clique aqui.

Referência
RELATÓRIO NACIONAL SOBRE TRÁFICO DE PESSOAS: DADOS 2021 A 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/senajus Acesso em: 01/08/2024
Disponível em : https://www.gov.br/mdh/pt-br. Acesso em: 01/08/2024.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ