Quando nasce uma criança, nasce uma mãe – é verdade esse ditado popular. O que pode nascer com a gente a partir do nascimento dos filhos é uma transformação avassaladora, que mexe com as estruturas do nosso eu, bagunçando nossas certezas e rasgando os manuais de regras sobre o que significa ser mãe.

A maioria dos adultos de hoje foram crianças criadas sob o domínio dos gritos, agressões físicas e humilhações. Fazia – e infelizmente ainda faz – parte da nossa cultura a normalização da violência contra crianças. Mas a pauta da educação respeitosa passou a ser assunto relevante, tanto nas rodas de pais quanto na imprensa. 

Observamos muitos avanços na legislação que trata dos direitos das crianças e adolescentes, nas últimas décadas, como por exemplo a Lei Menino Bernardo nº 13.010, de 26 de junho de 2014, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente e instituiu o direito da criança e do adolescente serem educados livres de castigos físicos, tratamento cruel ou degradante.

Apesar de ter sido educada com métodos violentos, faço parte de uma geração de mães que estudam para ser mães, e talvez essa seja uma característica bem diferente das gerações anteriores de pais e mães. Estudando o desenvolvimento humano descobri uma estrutura no nosso cérebro chamada de neurônio-espelho. Os neurônios-espelho foram descobertos recentemente por cientistas italianos e explicam muito sobre o comportamento que leva ao aprendizado em seres humanos. 

Estes neurônios funcionam como uma brincadeira de “seu mestre mandou”, só que mais complexa: basicamente esta parte do cérebro é ativada quando alguém executa uma ação ou enquanto observa a ação de um outro humano, como uma espécie de simulação interna do que está sendo observado. Sabe quando assistimos um filme de terror e a angústia do personagem que está sendo perseguido nos faz encolher ou acelera nosso coração? São eles, os neurônios-espelho, funcionando a todo vapor! 

 

E o que isso tem a ver com a educação das crianças?

Mesmo antes de saber o que eram os neurônios-espelho, logo que minha filha nasceu, ainda bem pequena, percebia que quando eu estava irritada ou triste ela ficava mais chorosa ou agitada. Fui observando que o meu estado emocional afetava diretamente aquela pequena criatura que ainda nem sentava sozinha. Descobri na prática que a forma primordial de aprendizado do ser humano é a imitação e a conexão. 

Conforme ela foi aprendendo a falar e comunicar suas necessidades, começamos a ter problemas. Durante episódios de estresse, eu ía ficando irritada e as coisas explodiam em gritos meus e choro dela. Aos poucos, fui entendendo que a adulta da relação era eu, quem tem um cérebro formado e maduro sou eu, logo o que eu trouxesse como exemplo é o que seria reproduzido por ela. 

Percebi que precisava aprender estratégias para me regular emocionalmente, precisava aprender a reconhecer minhas emoções e a falar sobre elas. E separar o que era o estresse do trabalho, do serviço doméstico, sendo descontado naquela mini pessoa. Tive que refletir porque era fácil acolher os sentimentos de outros adultos, ser gentil com as limitações de outras pessoas grandes, e porque era tão difícil ser gentil e respeitar uma pessoa pequena. Logo elas, que são vulneráveis e estão em constante aprendizado. 

Foi lendo Elisama Santos com seus livros sobre educação não-violenta que soube pela primeira vez que educar filhos é problema nosso, que vem da nossa infância, porque quando crianças nos sentíamos invisíveis e aprendemos a reprimir nossos sentimentos para sermos “boas meninas”. Foi lendo um livro chamado “Emocionário – dicionário das emoções” que descobri que eu não conhecia meus sentimentos e vivia desconectada de mim mesma. 

Foi a Ayó, essa pequena de três anos, que me ensinou que eu tinha muito a aprender sobre respeito. Que para educá-la de forma respeitosa eu precisaria me respeitar, aprender meus limites e comunicá-los aos outros, aprender a pedir desculpas quando erro, exigir respeito em outras relações sem engolir centenas de sapos.

Foi com minha filha que aprendi que a parte mais difícil de educar uma criança é educar a nós mesmas. É praticar os valores sobre os quais discursamos e compreender que, para a criança, uma ação vale muito mais que um sermão. Criar uma filha me ensinou que a única forma verdadeira de educação é a autoeducação, pois  tudo aquilo que desejamos ensinar, em primeiro lugar, precisa estar dentro de nós. Porque para educar, é preciso ser.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.